23 Guerreiros

05/12/2012

克服する Paulo André 克服する 23 Samurais 戦士 Guerreiros Do Mundial 2012




Paulo André, definitivamente, não é um jogador de futebol comum. Aos 29 anos, é modelo de uma famosa linha de perfumes, para a qual fotografa de terno e gravata, pinta quadros, adora tomar um bom vinho, joga tênis e já escreveu um livro. Parece o perfil de um “bon vivant” ou de um artista intelectual. Mas não é. Trata-se de um rapaz que pegava carona numa boleia de caminhão e recebia 180 reais para treinar, e estudou grande parte do tempo numa escola pública, onde não aprendeu absolutamente nada e ainda teve de conviver com a morte de perto.

Desde a reta final do Campeonato Brasileiro do ano passado, o zagueiro ganhou importância que poucos esperavam no Corinthians. Tornou-se titular, se lesionou durante a Libertadores, mas recuperou sua posição com a venda de Leandro Castán. Vai jogar o Mundial, um sonho que cultiva desde que trocou as quadras de tênis pelo gramado.

A raquete parecia ser seu destino aos 14 anos. Segundo melhor tenista do estado de São Paulo, treinava ao lado de jogadores como Flávio Saretta e Ricardo Mello, que se tornaram profissionais. Até que um senhor chamado Carlinhos Magalhães o observou numa despretensiosa pelada num clube de Campinas, e o levou para o São Paulo. Nesse dia, Paulo André jogou como meia-atacante, mas Carlinhos disse ter pensado que ele era zagueiro, o que quase já o fez desanimar. “Será que não tenho qualidade?”, pensou. Mesmo assim ele foi, seduzido pelo futebol e pelo fim da solidão.

– O tênis já estava ficando caro, com viagens e treinos, e sempre muito sozinho. O futebol era mais prazeroso, concentrado com dez, quinze garotos. Um ambiente mais gostoso.

Gostoso? Nem sempre… Paulo André se despediu dos pais, Arnaldo e Miriam, para morar no alojamento do São Paulo. Não esse maravilhoso e cheio de regalias de Cotia, que ainda não existia. Os estudos continuaram, bancados pelo clube, numa escola pública próxima ao CT.

O mau ensino não foi sequer o principal problema. A violência era a matéria mais divulgada. O zagueiro não se esquece do dia em que o diretor trancou todos os alunos no colégio, uma forma de tentar protegê-los da gangue que já havia avisado: invadiria o local para se vingar de um integrante morto.

– Cheguei segunda-feira para fazer prova, e no intervalo vi todo mundo fugindo. Então, me explicaram que no sábado havia morrido alguém numa festa junina, e que iriam invadir o colégio para descontar. Imagina o desespero. A diretoria trancou para ninguém entrar, mas a gente queria sair. Pulei o muro, a confusão era lá dentro. Hoje até parece engraçado, mas na época foi trágico.

Ao menos nesse dia não se teve notícia do cadáver. A sexta-feira era o tradicional dia de sair do CT e caminhar dois quilômetros até o orelhão, e ligar para os pais. Paulo André deixou para fazer isso na segunda, sozinho, e foi repreendido pelos companheiros, que haviam se deparado com dois corpos na porta do alojamento quando iam à missa, na véspera. Um aviso? Fato é que ninguém chegou nem perto da rua por um bom tempo.

Foram três anos de rotina semelhante, até o ex-goleiro Zetti, então técnico das categorias de base do São Paulo, dispensá-lo. Para não encerrar o sonho de ser profissional, ele foi para o CSA, de Alagoas, e teve passagem quase despercebida (por ele, inclusive) pelo Vasco, até desembarcar no Águas de Lindoia, do interior paulista. Lá, ele recebia um salário mínimo e morava num sítio a quatro quilômetros do campo de treinamentos. Subia o morro a pé ou numa boleia de caminhão.

– Às vezes faltava comida, não tinha água. Eu e mais uns dois jogadores éramos mais conscientes, sabíamos que era preciso se alimentar bem, então às sextas-feiras a gente ia a um restaurante na cidade e pagávamos seis reais para comer bem nas vésperas de jogos.

Nove meses e um título de juniores depois, o Guarani levou Paulo André e sua carreira começou a deslanchar. Fora de campo também. Ele cursou dois anos e meio de Educação Física, mas teve de parar quando se transferiu para o Atlético-PR. O gosto pela leitura não nasceu na escola, como já foi possível notar, mas sim nas visitas à casa dos pais. Ele via os parentes estudarem, e convivia com o temor de ficar para trás, ou não dar certo na carreira. Então, roubava os livros do irmão mais velho, e os devorava nas concentrações.

Os três anos no Le Mans marcaram o pior período de sua vida. A lesão no tendão patelar do joelho direito só se curou após três cirurgias, a última feita escondida do clube, e um ano e meio sem entrar em campo, de idas e vindas para o Brasil. Época de choro e depressão. A passagem pela França serviu para amadurecimento tático, mental e o convívio com uma cultura diferente, que inspirou o “eterno curioso”, como ele se define. Por isso, na volta, além de conquistar a torcida do Timão, o zagueiro abriu horizontes: posa, escreve, pinta, e tem um instituto para integrar crianças e adolescentes ao esporte e à cultura. E quer fazer mais. Um dos próximos objetivos é fazer as pessoas entenderem que jogadores de futebol podem ter vida social.

– É uma briga boa que assumi, mostrar que o jogador pode fazer o que todo mundo faz, e isso não vai prejudicar dentro de campo. Eu curto a vida, gosto de sair para jantar, tomar um vinho, sentar num bar ou restaurante e ficar conversando. Só que a cultura do torcedor é preconceituosa. Tomara que eu consiga levantar essa bandeira.

Aos 29 anos, Paulo André não irá muito longe no futebol. Não chegará aos 35 de jeito algum. Tem contrato até 2014 com o Corinthians e cogita, no máximo, mais uma renovação. Quer parar e ter tempo de fazer ainda mais coisas. Na lista de metas estão aprender a tocar um instrumento, surfar, viajar, aprender outros idiomas e, principalmente, se casar e ter filhos. O jogador só quer crianças quando tiver tempo para cuidar delas. Por isso, topa até o casamento.

– Gosto muito de uma frase de Machado de Assis que diz o seguinte: “Deus, na sua bondade e grandeza, inventou a fé e o amor. O diabo, muito malvado, querendo confundir o ser humano, inventou a religião e o casamento”.

Paulo só não foi tão diferente assim ao escolher a palavra superação para resumir sua trajetória, mas é bem compreensível. É nisso que ele se apoia para ajudar o Timão a conquistar o bicampeonato mundial.

– Vamos passar por momentos difíceis, mas juntos podemos ser mais fortes e vencermos. Sempre, antes dos jogos, eu agradeço por ter saúde e estar ali. É o que vou fazer no Japão.



Sobre o Autor

Pablo
Coordenador de Suporte, Governador da República Popular do Corinthians e Louco pelo Timão!




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.